Índice
Dias em que usar Linux é péssimo
Mega Man X DiVE LATAM
O racismo como questão emocional: por que é um tanto difícil compreender a avalanche de informações num episódio onde um negro erra?
São Paulo vs. Londrina
Dica do programador
Momento crente
Dias em que usar Linux é péssimo
Inevitavelmente me tornei mais um dos milhares de nerds que usam Linux, embora não seja o maior apologeta do mundo. Se me perguntam digo que é bom, digo que é melhor que Windows, mas às vezes me dá nos nervos também.
Nesse exato momento, enquanto digito, estou encarando um problema no Linux que é o seguinte: meu teclado está simplesmente hiperveloz. Se eu pressionar a barra de espaço, ela vai adicionar uns 15 espaços por segundo, e se eu der backspace e segurar um pouquinho que seja meu texto se perde. Isso aconteceu do nada. Provavelmente vai embora se eu reiniciar o computador, mas não quero aceitar que terei de reiniciar o computador só pra isso. O Linux parece mais sensível ao calor também, quando o computador começa a ter problemas de temperatura as funcionalidades vão sendo afetadas aos poucos, não é como no Windows que dá tela azul e já era.
Além desse problema, meu Linux simplesmente não está conseguindo dar conta de reconhecer nenhuma partição NTFS. Ele não quer. Tá decidindo que todas estão corrompidas, e nenhuma delas está. Eu testei com meu HD e um HD externo. A primeira vez que isso aconteceu eu me assustei bastante, pensei "meu Deus perdi tudo vou morar de aluguel", aí na outra atualização do kernel tudo voltou ao normal, era só indisposição do princeso. Agora estou aguardando a próxima atualização do kernel ou de algum outro componente que deve ter quebrado sozinho e se consertará sozinho. Viva essa aventura. Também poderia eu mesmo tentar consertar mas, devido ao fato de não ser nenhuma urgência, deixo que se arrume sozinho.
É fundamental, aliás, entender esse funcionamento básico do Linux pra usar. Tanto o primeiro item quanto o segundo expressam situações problemáticas que você vai passar durante a vida de linuxeiro. As situações são: deu problema? Antes de tentar consertar, tente reiniciar o computador, pode ser que seja só isso. Reiniciou, não deu certo? Quer ir atrás de uma solução? Precisa dela pra hoje? Não? Então só espera atualizar o componente de novo, vai dar tudo certo.
Por outro lado, a situação que mais me arrancou lágrimas até hoje foi a situação de driver de Wi-Fi Dongle, aqueles aparelhinhos USB que você coloca no computador para pegar Wi-Fi. Os drivers de Linux pra isso são péssimos, péssimos mesmo, ocasionalmente quebram e, aí sim, temos um problema, porque uma coisa é quebrar uma partição externa NTFS que você não usa toda hora, outra coisa é quebrar o Wi-Fi do qual você depende inclusive para atualizar o componente de novo. É por isso que, depois de várias tentativas, na última quebrada de driver de Wi-Fi Dongle eu paguei alguém pra passar um cabo de rede entre a sala e meu quarto e esgotei todas as possibilidades de ter problema com isso.
Enfim, perrengue de Linux é isso aí. Qualquer outra coisa que você vá imaginar que terá problemas, nem imagine, é mentira. Tudo é mais rápido. Tudo funciona melhor. Quase tudo vai rodar bem. Aliás, o programador que se acostumar a usar Linux está no céu, porque qualquer coisa de programação funciona muito melhor e mais fácil no Linux, até rodar um Apache no Linux é coisa de dois comandos no Terminal enquanto no Windows é sempre uma gambiarra absurda. Acredite, você só terá dois problemas no Linux, e a solução sempre será essa: ou reinicia, ou espera a próxima atualização. E é isso.
Mega Man X DiVE LATAM
Sim, foi sobre a atualização da semana passada, não me amolem. Dessa semana falarei na próxima.
Oficialmente acabou o Taiwan essa semana, então agora teremos apenas o LATAM. A novidade da semana foi um banner de Popularity Pickup com o ViA■ e a Light Bender. A Light Bender é uma arma limitada indispensável então todo mundo que não tem ela precisa apostar as fichas nesse banner até pegar, já o ViA■ é um bom guerreiro, mas dispensável nesse meta atual, embora seu estilo de jogo possa ser muito agradável pra quem gosta de melee. Ele também não é bom pra Raid/Guild Boss, causa muito pouco dano, não quebra defesa, não tem nenhum buff de CRIR/CRID, enfim, não vale a pena, é um cara feito pra PvP, ao contrário do ViA comum que permanece sendo um dos melhores contra Raid.
A minha sorte por algum motivo está enorme nesses últimos tempos, um dos últimos 10-pulls que eu dei veio 5 S. Isso mesmo. De 10 pulls, metade era S. Absurdo. De resto, ainda assim sempre deu pra cavar algo. Minha sorte só foi brecada hoje com um péssimo pull grátis 9B1A, mas não tem problema, preciso de sorte para quando vier o banner da arma Deconstructor. Eu não preciso desse ViA e a Light Bender já tenho há eras.
Além disso, essa semana teve mais um evento de Boss Rush. O Boss Rush funciona assim: você está numa das fases "exclusivas" do Mega Man X DiVE (na verdade um recolor de alguma fase do Mega Man X8), numa sala fechada com três cápsulas, cada uma delas contém um chefão diferente. Você precisa derrotar esses três chefões e chegar na saída da sala. Claro, ganha quem fizer isso em menos tempo. E como estamos falando de DiVE, pra competir nisso aí você provavelmente vai precisar desenvolver umas técnicas absurdas, tipo, acaba sendo irrelevante a habilidade de derrotar o chefão em si porque todos os melhores competidores devem conseguir derrotá-los em um segundo com o mesmo personagem buildado pra chefão, o que conta é o RNG (se um chefão tem um ataque que some da tela e ele sumir já quando começar a partida, só reseta, nem tenta), a sua agilidade de sair de uma cápsula a outra, algum buff que você tenha de velocidade, pular certinho na saída, etc.
Esse Boss Rush em específico eu não saberia te dizer nem os chefões, porque ele veio bugado. Acredito que nunca houve um Boss Rush no Taiwan após a invenção da Shadow Armor X, já que no LATAM fomos agraciados com o seguinte bug: se você estiver de Shadow Armor X e derrotar o chefão da cápsula da direita, você pode dar um dash numa quina da cápsula, grudar na parede rapidão, tentar grudar no teto (a Shadow tem essa habilidade de grudar no teto, que nem no Mega Man X6), voltar pra parede, grudar no teto, então você vai perceber que a Shadow vai começar a atravessar o chão lentamente até chegar na saída tendo derrotado apenas um chefão. gg. Alguns dos melhores jogadores do servidor estão protestando contra esse bug e não fazendo o evento, mas como hoje é (era) terça, acredito que não vá dar em nada. Eu fiz e cavei meu 8º lugar (hoje devo estar em 20º) porque odeio esse evento, nunca compito pelo primeiro lugar, não tenho paciência sequer de coletar todos os pontos, só faço um tempo decente e pego as recompensas importantes. E é isso. Parabéns Taicom por ter deixado isso passar, parabéns a NebulaJoy por ter deixado também, aliás nem sei se a NJ vai ter o interesse de resolver isso, e tenho medo de qual seria a solução caso acontecesse... proibir Shadow Armor X? Risos.
Bem, é isso. Semana tranquila no LATAM, graças a Deus, depois de um dos piores Guild Bosses do jogo.
O racismo como questão emocional: por que é um tanto difícil compreender a avalanche de informações num episódio onde um negro erra?
Uma das coisas que uma boa psicoterapia com alguém capaz de compreender quem você é (ou seja, no meu caso, outra pessoa negra de periferia), é perceber os efeitos do racismo nas emoções e sentimentos. Uma situação como aquela da semana passada, da assessora demitida do ministério, é uma das mais difíceis de se processar e uma das que mais testa a consciência racial de cada um. Os negros precisam lidar com uma pancada de sentimentos e os brancos, sem compreenderem absolutamente nada, emitem uma rajada de opiniões tenebrosas e não conseguem, de jeito nenhum, perceber o problema disso.
Compreender o racismo pra mim foi uma coisa muito estranha porque, primeiro, precisei compreender que o racismo existe, primeiro precisei ver ele em tudo, para só depois conseguir entender que não poderia ver ele em tudo.
Pareceu estranho? Esse é o movimento. O que estava acontecendo era: eu precisava compreender que vários sentimentos que carreguei durante toda minha vida, de esperar reações negativas das pessoas, de achar que eu precisava mostrar mais do que os outros para ser tratado como os outros, de sentir medo quando um policial passava perto de mim mesmo sem nunca ter feito nada de errado, de sentir que eu era uma pessoa diferente de todos os gerentes e diretores para quem trabalhei, tinham uma origem racial. Claro que, antes mesmo disso, tive que ser chamado de "negro" pela primeira vez e lidar com esse estranhamento enorme que vem ao perceber que você não é branco, você não é "sem cor". Eu precisei entender que esses e outros sentimentos eram desdobramentos do racismo, uma "força", digamos assim, que está na sociedade nos assombrando. É claro que não é uma "força", pelo amor de Deus, é que não consigo pensar em algum termo melhor para falar desse aspecto emocional.
Depois disso, como é de se esperar, eu me tornei um porre de pessoa por um tempo, porque o racismo parecia justificar tudo, todo mundo parecia racista. Todas as tragédias da minha vida pareciam culpa do racismo e, mais ainda, eu parecia ter um futuro pré-determinado pela minha raça, algo que eu nunca tinha pensado antes. Ao mesmo tempo em que eu parecia estar desafiando esse futuro pré-determinado porque estava bem de vida, ganhando um salário digno se em comparação com maioria das pessoas, morando num lugar legal. Tudo ficou muito bagunçado na minha cabeça.
Até que um dia, e isso com a ajuda da psicoterapia, eu descobri que esse "racismo" não era bem uma "força", era uma corrente, como aquela velha metáfora do elefantinho que acorrentam num lugar e ele acredita que deve ficar lá. Vai crescendo, ganhando força para arrebentar tudo num só impulso, mas continua sem mover uma palha porque já tentou várias vezes quando pequeno e não deu certo.
A metáfora não está correta sem mencionar um terceiro substantivo, que são as pessoas que percebem que você está acorrentado a essa coisa minúscula mas sabem que elefantes grandes costumam passar por isso, então vivem fazendo jogos psicológicos com você para garantir que você nunca arrebente nada, para garantir que você não saia do lugar e fique fazendo o que eles querem. Não são tantas pessoas assim, mas você vai atraí-las, aliás, elas vão se sentir atraídas a você. E não é tão importante mencionar isso para o que quero dizer, mas é importante dizer que existe.
De qualquer forma, descobri essa corrente, descobri tudo isso e descobri que era só arrebentar. Esse "arrebentar" é a segunda etapa, que mencionei lá em cima: é quando você descobre que nem tudo é racismo. Descobre que pode andar de cabeça erguida que maioria das pessoas não vai fazer nada contigo, que você tem o direito de peitar todo mundo que tentar, que é capaz de ser quem você é, de arcar com as consequências disso, elas não vão te esmagar, ninguém vai colocar essa corrente e dizer "não saia daqui" como um dia já aconteceu antes. Claro que, no meu caso, existem N componentes envolvidas aí, estou falando do lugar de um pardo de periferia mas que saiu da periferia e ascendeu de classe social, não de um retinto, não de alguém que ainda mora na periferia, não de alguém que é pobre. Mas acredito que há pessoas que se identifiquem comigo, porque eu identifico muito isso nas pessoas.
Esse processo é o que está completamente fora do alcance de uma pessoa branca. A pessoa branca não consegue compreender a legitimidade das dores de uma pessoa preta, e de fato não teria como, é por isso que há essa situação do "lugar de fala": muita gente reclama "eu não posso opinar mais nada só porque não sou preto?" mas não consigo entender a necessidade de opinar, a necessidade de se posicionar, sobre determinados assuntos que não tem nada a ver com elas. Se algum preto falou que pegou racismo no ar, permita-se ouvir e entender do que ele está falando.
O que aconteceu na última semana já está assombrando as pessoas há tempos, só que rolou esse evento marcante que mostrou o que muitos brancos "de esquerda" andam pensando, um pouco em segredo, mas um tanto bem a céu aberto. E é muito difícil mensurar tudo, avaliar tudo porque, para explicar qualquer coisa a alguém super incomodado com o "identitarismo", essa pessoa precisa estar disposta a tirar uma armadura que ela nem sabe que tem.
A preocupação do branco muitas vezes é em não ser chamado de racista, em não deixar essa peteca moral cair. Reparei ao longo desses anos que parece hiper incômodo a um branco pensar que ele pode estar sendo racista porque o racismo parece algo tão cruel e monstruoso, de outro mundo, da extrema direita, e realmente acho que não são a maioria dos brasileiros que tem essa coisa de chamar o preto de macaco, de "pesar por arroba", que essas pessoas que saíram do esgoto nos últimos anos não são parte da maioria. Sem contar que a acusação de "racista" é uma acusação judicial, você não pode chamar alguém de racista, tudo o que pode fazer é descobrir uma maneira bem complexa de expressar o que sente quando passa por uma situação que, no fundo, você sabe que não passaria se fosse branco. Mas existe essa armadura nos brancos que, sobretudo, os impede de dialogar com os sentimentos de uma pessoa que sofre com o racismo.
O primeiro grande engano que vejo é o de achar que um preto pode estar usando "racismo" como arma para se defender dos próprios erros, como se fosse uma técnica de gaslighting, mas não consigo visualizar como transformar o racismo em arma, e acho que grande parte das pessoas pretas que passaram por esse processo como o meu não conseguiriam também. Enxergar racismo em tudo poderia ser, no máximo, na pior das hipóteses, um mecanismo de defesa fora de controle criando equívocos, porque aí ao menos estaríamos falando de "dor" de alguma forma. Porque é disso que se trata: dor. Talvez entre brancos enxergar racismo em tudo seja um academicismo, um tentativa-e-erro, mas entre pretos não tem como ser só isso porque ele não está falando do outro, está falando de si, falando que se sente num mundo onde todo mundo está com uma faca apontada pra ele. Isso por si só é bem problemático, não acha? Não acha que deve ser difícil ser uma pessoa que vive assim?
É desse lugar que vem a reclamação de que a assessora está sendo vítima de racismo, ainda que ela tenha cometido mesmo um vacilo. Acho que já está pré-programado em mim que um preto é demitido por motivo racial, porque é o normal. Ser preto num lugar de destaque envolve, na melhor das hipóteses, lidar com uma auto-cobrança quase paranóica que extravasa em outras áreas da vida, que vira pressão, vira crises de auto-estima e com ela as auto-sabotagens, vira muitas vezes tratar pessoas de maneira desequilibrada (ou agradando demais, ou não conseguindo disfarçar a desconfiança) por já pressupor o pior. Mas isso é a melhor das hipóteses, a hipótese onde ninguém está te julgando pelas pequenas convenções sociais sobre o preto, sobre o cara da quebrada. Essa hipótese vai se tornando cada vez mais distante da realidade quanto mais destacada é a sua posição na sociedade.
Nós já pressupomos a componente racial porque é quase impossível que ela não exista, nós confabulamos as hipóteses sobre o que aconteceu e onde entra o racismo porque, honestamente, todos temos histórias pra contar de quando demos um vacilo igualzinho o do colega branco mas por algum motivo só a nossa cabeça foi colocada a venda e vimos todo mundo dizendo "mereceu", "tomou foi pouco". Antes mesmo de discutir se foi racismo ou não, antes de analisar qualquer fato, é a primeira coisa que vem à mente.
Se foi racismo ou não, tenho uma visão bem definida, acho que aconteceu o suficiente para as pessoas entenderem o que foi (está sendo) aquilo e não é problema meu se entenderam ou não. Não é isso que tenho a intenção de discutir, sério mesmo.
Enfim, não tem como eu me alongar demais sem entrar em detalhes muito mais específicos. Não acho que "racismo" seja questão de emoções e sentimentos, são dados concretos, que estão em todas as estatísticas, é a nossa realidade. Mas, diante de uma pequena dose de como nos sentimos diante dessas situações, é possível tentar compreender um pouco mais as reações a muitos assuntos pra quem não está mal intencionado e quer mais compreender do que opinar. Espero que existam muitas pessoas assim na internet.
São Paulo vs. Londrina
Esse final de semana precisei viajar a São Paulo num bate-volta urgente por motivos misteriosos, incompreensíveis ao ser. E a real é que ainda gosto muito dessa cidade. Mesmo que a última vez tenha tido uns baixos que eu nunca tinha passado antes na vida, como um furto e outras coisas ruins, essas outras que só acontecem depois que você casa e resolve tentar uns passatempos que nunca tentaria se fosse solteiro. Mas acho que estou aprendendo a viver São Paulo a dois, não sozinho ou "em bando", dessa vez foi um pouco mais tranquilo.
É impressionante pra mim que na internet exista tanta polêmica sobre essa cidade e sejam umas polêmicas tão idiotas. Pra mim o único grande problema de São Paulo, agora muito atenuado pelo que alguns amigos e Ubers me disseram ser uma completa falta de gestão mas não posso botar a mão no fogo por essa opinião por não ser um cidadão de lá, é que é uma cidade que exige sua atenção constante em tudo. Nas ruas, estar olhando pra todo canto toda hora, não tirar celular pra ver horas ou qualquer outra coisa a toa, e isso até mesmo dentro dos carros: a moscagem é imperdoável. Ao comprar qualquer coisa, estar atento para ninguém passar a perna em você, sempre presumir que vão tentar ganhar algo em cima de você. Não quer dizer que sempre aconteça, e não quer dizer que São Paulo seja a única cidade do mundo (ou até do país) assim, é só que a atenção precisa ser redobrada, você precisa saber muito bem o que está fazendo em tudo quanto é lugar. É uma cidade muito lisa, ao menos pros meus padrões do interior do Paraná.
Fora isso, realmente não consigo ver nada de ruim na cidade, do ponto de vista de um turista. Querer enxergar os problemas sociais da cidade como uma pessoa de fora é muita audácia, eu sou muito interessado e até um tanto conhecedor dos problemas sociais da minha cidade, Londrina, e sei que ninguém que vem aqui de fora consegue enxergá-los tão bem quanto eu porque... eles não moram aqui, eles não passaram a infância e a adolescência no Ouro Verde, não tiveram dificuldades de se locomover ao centro, não conhecem maioria dos bairros da cidade, não conhecem as linhas de ônibus de cor, eles devem ter passado milhares de dias a menos que eu nessa cidade. Isso é normal. Como eu saberia dizer os problemas reais e concretos de São Paulo, se toda vez que vou pra lá desço na Barra Funda, rodo de metrô e paro, sei lá, na Paulista, Augusta, República, Santana, Liberdade, às vezes no Tietê quando preciso pegar algum outro busão ou estou vindo de alguma cidade do interior do Estado? Eu deixo isso pras pessoas que moram lá, não sou maluco.
Agora, em qualquer outro sentido, São Paulo por muitos anos foi um símbolo de liberdade pra mim. A cidade que tinha meus amigos de internet, com gostos parecidos com os meus, onde eu ia e era muito mais "eu mesmo" do que na minha cidade natal. São Paulo é a cidade que tem tudo. Fui ao meu primeiro evento de anime em São Paulo, uma Anime Friends em 2008, e só retornando agora depois de 15 anos e me desaguando de chorar em um show lembrando como é gostoso estar ao lado de gente que cresceu rodeado de anime na década de 90/2000 eu percebo como foi importante pra mim. Fui na Liberdade com meus amigos, talvez tenha feito minha primeira cantada idiota lá, comi comida japonesa pela primeira vez lá e achei horroroso (eu amo comida japonesa). Fui no primeiro e único evento de videogames, a Brasil Game Show 2013.
Hoje vejo que muito disso sempre existiu em Londrina, eu só... nunca fui convidado, no sentido metafórico do termo "convidado". A BatBanca fica ali na região entre a Bandeirantes e a Souza Naves, tinha outra loja que vendia cartas de Pokémon e Yu-Gi-Oh! também na Souza Naves. Eu morava no Ouro Verde, em outra região da cidade, descobri que isso existia porque tinha um amigo meio nerd na escola e minha escola do fundamental era numa região bem mais nobre, mas era muito difícil pra mim ali na faixa dos 10 anos pedir pros meus pais me levarem a algum lugar. De modo que um dia pesquisei qual ônibus descia ali por perto, matei aula e fui parar na BatBanca.
A BatBanca estava fechada, então fui a pé até o outro lugar e, por sorte, estava aberto. Fiquei abismado com aquele mundo de pessoas vendendo cartas de Pokémon, algumas mesinhas pra jogar, mas tudo soou tão distante e aquele acesso era tão proibido (um lugar muito muito muito longe de casa, eu não sabia quando poderia matar aula de novo, e aliás meus passes eram contados pra escola), que eu nunca mais voltei lá. Até hoje eu nunca fui na BatBanca, se é que a BatBanca existe ainda.
Também era um dado completamente fora da minha realidade que Londrina é uma das cidades com maior comunidade e influência japonesa no Brasil porque essa influência não é visível na periferia. O único nipobrasileiro que estava ali por perto era o Kazuma do supermercado do bairro, que inclusive fechou esse ano e encerrou toda uma era do Ouro Verde. Sempre teve esses eventos tipo Matsuri, ExpoJapão, às vezes até apareciam em alguns programas de TV, mas nunca fui, nunca convivi com alguém interessado em ir, alguém que não fosse ser um esquisito naquele lugar. Parecem desculpas olhando hoje em dia mas, naquela época, é como se essas coisas não tivessem existido pra mim, como se fizessem parte daquele mundo paralelo da TV.
Em São Paulo, por outro lado, tudo isso estava disponível pra mim. Qualquer evento de nerd ou de otaku, qualquer cultura imigrante como a japonesa, coreana, chinesa, até árabe e italiana. É muito triste mas Londrina só existia pra mim como a cidade dos crentes. Até meu jeito de andar em São Paulo era diferente porque eu estava do lado dos meus amigos de internet que se pareciam comigo, com quem eu poderia usar todas as minhas gírias, fazer minhas piadas, jogar junto, conversar dos mesmos assuntos do mundo da internet, amar e ser amado, coisas assim. Eu tinha acesso a tantos lugares e tinha tanto espaço pra eu ser eu mesmo que, quando voltava pra Londrina, ficava super deprimido.
Por muitos anos eu quis morar em São Paulo. OK, não posso dizer que São Paulo é a única cidade assim, reconheço que tive um sentimento parecido com o Rio de Janeiro e com Belo Horizonte, e também estou com medo disso ser mais uma questão social do que de cidade em si, mas arriscaria dizer que, pra quem é de um interior super conservador, São Paulo é uma dessas cidades que mantém você acordado pra vida. Digo que pode ser uma questão social porque é muito mais fácil pra mim agora, morando na Gleba Palhano, ver todos os passes e oportunidades culturais que Londrina tem, então imagino que talvez não seja tão fácil viver essa fantasia de liberdade que vivi em São Paulo quando se é de periferia.
Mas o leque de São Paulo é muito mais amplo. Ainda que o ritmo do dia-a-dia te massacre e crie maneiras de solidão muito profundas que eu, como londrinense, nunca vou entender, me parece impossível você se sentir uma anomalia, ponto fora-da-curva da sociedade, esse tipo de solidão que se vive no interior quando parece que você é o único otaku, o único nerd, o único roqueiro, o único ateu, e aí partimos para algo mais sério como o único homossexual, o único bissexual, o único trans, a única mulher que está cuidando da sua própria vida ao invés de correndo atrás de homem, o único preto que se importa com consciência racial, e tantos outros "únicos".
Sem contar que, no interior, todo mundo sabe todas essas coisas de você, a informação circula e ainda é distorcida para se tornar demonizável, então gente que você nunca viu na vida te olha torto e você já imagina os motivos, daí quando descobre pessoas parecidas contigo você entra num grupo de dissidentes aparentemente do mundo todo e tudo o que você tem passa a ser elas. Essa dinâmica anda mais flexível em Londrina hoje, mas uns quinze anos atrás era muito pior. Além disso é bom lembrar que minha família não é necessariamente de Londrina mas de uma cidade muito menor ali na divisa com o Estado de São Paulo onde todo mundo conhece todo mundo.
Então, assim, eu olho com muito carinho para muitos lugares de São Paulo. Ainda faço boas memórias por lá até hoje quando vou, reencontro meus velhos amigos e inventamos alguma coisa. Não moraria lá, perdi completamente esse sonho, mas gosto.
Acho que foi uma cidade muito mais receptiva comigo do que a minha própria Londrina. Eu não existo em Londrina porque a cidade é receptiva, existo porque me impus. Nunca tive um amigo pra me chamar pra ExpoJapão, pra restaurante de vários tipos de culinárias, pra shows, eventos culturais, museus, e a única vez que me chamaram pra ir num Matsuri foi uma amiga de Paranaguá que veio cantar Kyary Pamyu Pamyu aqui e queria que eu fosse com ela.
Posso não estar sabendo direito comunicar o que significa "me impus". Se não deu pra entender lamento, mas é tão verdade que eu me impus que, em muitos desses lugares, eu pareço estar representando uma região, às vezes até representando um povo, porque não tem ninguém parecido comigo. Há uns meses atrás fui num evento no Valentino e só tinha um "bigodin finin" além de mim, teve uma apresentação de rap, o rapper era branco e só aí eu descobri que alguém é capaz de subir num palco pra rimar e não fala um A da polícia, enquanto isso dezenas de talentos metendo o louco na rima nas praças e não tem um dono de bar em área nobre pra dar um centavo pra eles. Enfim. Eu me impus.
Quero que saibam também que estou falando de um lugar bem específico, eu sou um adulto de 30 anos, a molecada hoje é diferente, tem muita coisa mudando pra melhor por aqui. Mas acredito que São Paulo sempre vai representar isso para o interior: a cidade onde você vai encontrar pessoas que não existem em mais nenhum lugar, ser aquilo que você não pode ser em mais nenhum lugar, ao menos até criar a coragem de ser e lidar com todas as consequências disso.
E é isso. Chega.
Dica do programador
Sei que, no dia-a-dia, a gente se acostuma a trabalhar com os termos que nós entendemos e muita coisa que está no livro de um jeito passamos a falar de outro. Em quaisquer teorias. Em teorias de bancos de dados, de metodologias ágeis de programação, de DevOps, de redes de computadores, de protocolos de internet, o que seja. Mas faça um esforço para não perder totalmente de vista a computação e suas vertentes da maneira em que elas são concebidas teoricamente. Vai por mim.
A hora que você errar uma questão de certificação de algo que você vê todo dia, toda hora, teve certeza absoluta do que estava fazendo e, no gabarito, erra e percebe que não tem nem como contestar porque pensou que a questão estava dizendo uma coisa mas ela estava dizendo outra, você vai ter péssimos sentimentos. Piores do que errar uma questão que você não sabia. Se você perder uma certificação por causa dessa questão então... aí, meu amigo, é trauma pro resto da vida.
Momento crente
Ao mesmo tempo em que tenho trocentas revoltas contra igrejas e tudo mais, diante de bons teólogos que expõem sua teologia com clareza, humildade e objetividade, eu sou uma ovelhinha bem boazinha. Se liga nesse tópico do Caio Peres, leia inteiro.
Eu tenho uma penca de livros cristãos que são uma espécie de apologia e, a princípio, antes de entrar em contato com a teologia direta, isso me satisfazia muito. Aqueles livros que são basicamente cem páginas de pregação evangélica neopentecostal, variando palavras, mencionando vários textos bíblicos pra tentar provar seu argumento. Tenho uma preguiça enorme disso, não rola mais pra mim.
Num geral o único tipo de pregação que gosto de ouvir é a da minha própria igreja, de preferência falando muito pouco de regras universais, porque ali sei que o pastor está falando de questões que assolam a minha comunidade e, de alguma forma, assolam a mim. Não tem pra que eu querer saber o que um pastor lá dos Estados Unidos está falando, ou mesmo o que um pastor de São Paulo está falando, e muitas vezes nem mesmo um pastor de outra comunidade de Londrina fala algo que me interessa. Já que, por algum motivo desconhecido até por mim mesmo, eu sou cristão, evangélico e tenho essa vontade de estar numa comunidade de fé, que eu esteja prestando atenção em sermões expositivos que vem de pessoas com quem eu posso trocar uma ideia depois se achar necessário, ter a segurança de sentir que aquilo é pra mim ou não.
Acho que foi um erro enorme essa cultura do conferencismo evangélico, mas é só um dos milhares de erros na cultura dos púlpitos evangélicos. Essa coisa de fazer intercâmbio cultural evangélico, com pessoas precisando elaborar sermões genéricos, universais, por não saberem exatamente pra quem estavam falando. De fazer evangélico trabalhador se sentir culpado por não ter tempo e nem condição de arrumar uma mesa extraordinária e gastar uma hora almoçando, ou até jantando, com toda a família. De criar pânico moral sobre a evolução da tecnologia no Brasil, um país onde em vários lugares a mobilete está chegando e provocando uma crise na criação de jumentos só agora.
Só que acho que, nos livros, é ainda pior. Desde que voltei à igreja sempre fui um ávido leitor, eu li muita literatura evangélica neopentecostal, isso formatou muito a minha mente a pensar como um estadunidense ao ponto que, quando caiu a ficha de que eu era brasileiro, eu tive que jogar quase tudo fora. Livros sobre finanças são puro empreendedorismo coach norte-americano, e a verdade é que as igrejas brasileiras tentam adotar esse ecossistema norte-americano por completo, a formatação das mentes é só o primeiro passo. Só que está fadado ao fracasso porque não somos os Estados Unidos. Grande parte dos problemas que as igrejas evangélicas desse ecossistema norte-americano enfrenta estão ancorados no fato de que estamos no Brasil e não nos Estados Unidos.
Ainda assim é estranho, não é? Que eu esteja falando sobre localização enquanto falo da minha admiração do "pequeno" estudo do Caio Peres, que parece ser um estudo bastante universalista, que inventa regra e tudo mais. Eu gosto desse tipo de estudo porque ele é "emsimesmado", ele parece não pular tantas etapas que normalmente são sacrificadas em busca dessa regra universal que deve definir nosso comportamento, é um estudo literário, reconhece que está tentando compreender o texto, quem escreveu, para quem estava falando, o que nós aprendemos em qualquer seminário que deve ser feito mas nunca fazemos sabe-se-lá por que. É só um estudo. Você tira dele algo, mas não tem uma arma na sua cabeça falando pra você tirar.
Eu gosto disso. Esses dias estava ouvindo uma pregação (sim, não gosto de pregação, mas ainda ouço um monte. Não me pergunte o motivo) em que o pastor, fundamentalista como há de ser, começou a descrever certas "coincidências que não eram coincidências", "a beleza da palavra, como a palavra empregada no texto foi X e não Y", mas a verdade é que por eu já ter lido aquela passagem em umas 5 ou 6 versões de Bíblia entre o português, o inglês e o espanhol, eu sabia que era só consequência daquela tradução mesmo. Um estudo, ao mesmo tempo complexo, mas que sabe seu lugar de estudo, poupa isso e tantos outros problemas. É muito irritante saber que "revelações" são disparadas sem nenhuma rigorosidade, não porque não devam ser feitas, eu entendo a boa vontade de muita gente que tem um "estalo" e vai em público falar, não vejo problema desde que seja por um motivo benevolente como ajudar alguém (e ainda deve-se tomar o cuidado de se certificar que sua "ajuda" é solicitada, ou solicitável), agora não venha me dizer que estou errado em qualquer coisa com uma interpretação tirada do próprio cu.
Penso eu que igrejas erram demais tentando estabelecer regras universais enquanto não dão conta de compreender sequer a realidade ao seu redor, erram demais tentando entender os significados ocultos da Bíblia enquanto não conseguem entender sequer a língua que falam, não dominam e não têm interesse por literatura e por interpretação de texto, erram demais tentando descobrir as profundezas e mistérios da santidade de Cristo em livros e mais livros e toneladas de discursos grandiloquentes enquanto não descobrem o que o vizinho está sofrendo e como ajudar. Alguns desses aí não precisam jogar a culpa pra mim não, eu não faço isso, mas o último em específico devo dizer que podem jogar mais culpa em mim do que em vocês mesmos, eu sou um porre de pessoa, chato pra caralho e não gosto de ninguém, sou totalmente contraditório com relação ao que um cristão deve ser, esse eu posso dizer que é pra mim. Mas não vejo problema em ter defeitos. Na verdade, nunca vi problema na igreja ter defeitos, gente problemática, etc. Eu só nunca entendi por que pessoas tão defeituosas estão tentando se impor na sociedade.
Por não entender isso é que só me satisfaço hoje em dia com estudos. O resto não me interessa mais. Mas não vendo meus livros evangélicos duzentas-páginas-de-pregação-expositiva, as dicas de como ter um namoro santo, como se livrar ou não entrar na pornografia, finanças santificadas, como resistir a rebeldia e ser recatada e do lar já que eu também queria saber o que as mulheres da igreja estavam lendo, como defender a fé dos ateus chatos, ex-satanista voltou do inferno e contou tintin-por-tintin, “como cuidar dos filhos e porque não deveria ser crime bater em criança”, benefícios bíblicos de se trancar no quarto e ficar orando e se sentindo mais santo e como isso se diferencia de ascetismo de quinta categoria, buscando Deus na natureza, argumentos bíblicos pra você se sentir melhor do que esses caras do mundo esses bostas aí tudo errado que vão pro inferno, etc.
Eu gosto de tê-los aqui pelas memórias.
Quando deixar de gostar, vou queimá-los. Mas vender, doar, nunca.
Não me importo que os púlpitos não sejam lugares para destilar intelectualidade, ninguém é obrigado a ser um intelectual, aliás, a comunidade cristã precisa ser simples, mas literatura teológica tem que ter qualidade e tem que ampliar a visão. Não se pode dar um livro pra pessoa que ela leia e fique mais cega.
Enfim, é isso, meus amigos! Desculpem o atraso, apesar de eu não ter compromisso nenhum com isso. Tive meus motivos, tive uma semana cheia, com essa viagem aí pra São Paulo, e nem sei se compensa publicar algo na sexta e depois na segunda que vem. Talvez faça um mini, talvez não. Tanto faz.